Após 15 anos, Francisco Mairlon Barros Aguiar, teve a anulação da condenação a 47 anos de prisão concedida, por unanimidade, ontem, pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em relação ao chamado Crime da 113 Sul, ocorrido há 16 anos em Brasília. Com o resultado, Francisco, hoje com 44 anos, foi posto em liberdade e não deve mais nada à Justiça.
No plenário, o colegiado acompanhou o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, que reconheceu vícios processuais e ausência de provas diretas contra o réu. O ministro foi seguido por Rogerio Schietti Cruz, Carlos Pires Brandão, Og Fernandes e Antônio Saldanha.
Francisco cumpria a pena pelo triplo homicídio do ex-ministro do TSE José Guilherme Villela; da esposa dele, Maria Carvalho; e da empregada da família, Francisca da Silva. Ele era apontado como um dos três executores do triplo homicídio.
O julgamento teve uma reviravolta durante a sessão: o voto inicial do relator era pela anulação da decisão de pronúncia e da condenação. Contudo, após um aparte do ministro Rogerio Schietti Cruz, prevaleceu o entendimento de que o correto seria o trancamento total da ação penal, encerrando definitivamente o processo e restaurando a liberdade plena de Francisco.
"Se anularmos a pronúncia, ele continuará réu. Se não tivermos prova, sequer é idônea para levar o processo", afirmou o ministro Schietti, ao defender o trancamento integral da ação.
O STJ determinou a imediata expedição do alvará de soltura e comunicou a Vara do Júri de Brasília. A decisão também ressalva que o Ministério Público poderá apresentar nova denúncia apenas se reunir novos elementos concretos de autoria, o que, segundo a defesa, "não existe nem jamais existiu".
Ontem à noite, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) informou que o alvará de soltura foi encaminhado ao sistema prisional. Francisco deixou a Penitenciária da Papuda ainda ontem.
"Missão cumprida"
A advogada Dora Cavalcanti, fundadora da ONG Innocence Project no Brasil e responsável pela defesa de Francisco, comemorou o resultado com alívio e emoção. "É muito duro imaginar o grau de injustiça representado por quase 15 anos de prisão. Alguém que foi arrancado da sua casa sem saber o porquê e acabou condenado única e exclusivamente com base em palavras de corréus extraídas sob pressão. Isso não se faz", afirmou.
Segundo Dora, o processo foi sustentado em palavras de corréus extraídas em ambiente coercitivo, isto é, em sede policial, e sem provas materiais. Durante a sustentação oral, Cavalcanti se emocionou ao afirmar que Francisco foi esquecido e invisibilizado.
"A única coisa indicada como lastro para sua pronúncia, o único elemento que foi utilizado para que fosse mantida a condenação, foram confissões extrajudiciais, de maneira genérica, sem especificar absolutamente nada", avaliou.
A advogada exalta o aparte do Ministro Schietti. "A provocação do ministro Schietti, acolhida pelo relator Sebastião Reis, corrige uma injustiça e lança luz sobre uma falha estrutural do sistema de Justiça", completou Dora.
Luta da família
No plenário do STJ, a emoção tomou conta dos familiares. "Nunca deixei de acreditar na inocência do meu irmão", disse Naiara Barros Aguiar, irmã de Francisco, ao lado do outro irmão, José Victor Barros, que também é advogado. Os dois decidiram cursar direito para compreender o processo e lutar pela liberdade de Francisco.
"A gente sabe que há muitos inocentes presos nas cadeias públicas do Brasil, a gente sabe que é um sofrimento grande", afirmou José Victor. Questionados sobre a possibilidade de buscar indenização pelo erro judiciário, ele respondeu: "Hoje estamos apenas tentando digerir a informação".
Falhas estruturais
O caso de Francisco Mairlon reacende o debate sobre os limites da confissão policial e a importância da revisão de condenações baseadas em provas frágeis. Para o criminalista Guilherme Augusto Mota, sócio do Guilherme Mota Advogados, o trancamento da ação penal é uma medida excepcional, mas necessária quando há vícios insanáveis. "O trancamento encerra definitivamente o processo criminal, impedindo que ele continue. No caso, o STJ entendeu que a denúncia sequer possuía justa causa, pois todas as provas contra ele eram inválidas, uma vez que eram baseadas apenas em confissões obtidas em sede policial, sob coação e sem confirmação em juízo. O Estado reconheceu que o processo jamais deveria ter existido", explicou.
Segundo o advogado, cabe recurso do Ministério Público, mas sem efeito suspensivo. "Isto é, a interposição em nada afetará a decisão que determinou sua imediata soltura. Ou seja, Francisco continuará solto até eventual decisão contrária", completou Mota.
Além da liberdade, abre-se caminho para um novo passo: o pedido de indenização por erro judiciário, previsto na Constituição Federal. "Também é possível pleitear reabilitação criminal, ainda que o trancamento já limpe o nome de Francisco, para restaurar integralmente seus direitos e reputação", concluiu o advogado.
Fonte: Correio Braziliense
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José Victor e Naiara Barros, irmãos de Francisco: "Sofrimento grande, mas nunca perdemos a crença" - (crédito: Ed Alves CB/DA Press) |
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