Dia do Rock: como ter banda ajudou na vida profissional de roqueiros


Ter uma banda de rock’n’roll foi o primeiro passo para a formação profissional de muita gente, mesmo fora do estrelato. Mais do que entretenimento, essa experiência foi, para vários roqueiros, a porta de entrada para conhecimentos técnicos nas mais diversas áreas.

Neste dia 13 de julho, data em que o Brasil comemora o Dia do Rock, a Agência Brasil mostra que, mais do que música, diversão ou estilo de vida, o rock é coisa muito séria. Pode representar oportunidades também profissionais, a partir do domínio de instrumentos musicais; da produção de eventos; e da complexidade que envolve procedimentos técnicos em gravações, produções e divulgação.

Para alguns dos roqueiros que viveram na capital do rock – a Brasília dos anos 80 e 90–, os conhecimentos adquiridos a partir da devoção e da dedicação a esse estilo musical, que muitas vezes se confunde com estilo de vida, está presente até os dias atuais.

Marcello Linhos


Sonoplasta, produtor fonográfico, cenógrafo, iluminador cênico e compositor de trilhas sonoras originais para o teatro. Essas são algumas das habilidades de Marcello Linhos, 48, sócio integrante da companhia de teatro Melhores do Mundo.

Nos anos 80 e 90, Linhos integrava a banda Restless, bastante presente nos palcos montados em festas e eventos da cidade. “Hoje posso ser vários profissionais graças aos conhecimentos que adquiri desde aqueles tempos”, resume o coringa do Melhores do Mundo.

A versatilidade de Linhos é percebida também em sua música. Se antes desenvolvia solos, melodias e harmonias em um dos estilos mais pesados e agressivos do rock, o thrash metal, hoje ele tem na viola caipira o seu principal canal de expressão artística, além de ser mais um de seus campos profissionais.

“O rock foi a melhor forma de me expressar, quando adolescente. Foi o canal por onde exerci minha liberdade de fala, colaborando também para minha formação enquanto ser humano, cidadão e artista. Resumindo, é uma forma de expressão às vezes forte e violenta, porém libertária por reinventar constantemente as formas de se fazer música”, disse.

Na medida em que a maturidade foi chegando, Linhos se deu conta de que não precisava ficar preso a um estilo musical para se expressar artisticamente. “Descobri que não estar preso a algo ampliava minha liberdade de expressão. Vi que não precisava ter medo da mudança”, disse ele à Agência Brasil. A migração para a viola caipira, no entanto, não o fez abandonar a veia roqueira.

“Ainda sinto dentro de mim a liberdade de poder propor uma fala nova. Como artista, tenho total noção de que isso veio da minha adolescência no rock. Sinto ainda essa pulsação e a coloco na viola caipira. Não é uma questão de mistura ou estética. Está no espírito. Continuo roqueiro e metaleiro. Mas toco viola caipira. É o mesmo artista nas duas coisas”, disse o artista que já tem, na viola, trabalhos autorais, releituras de músicas tradicionais caipira e o musical infantil Violinha Caipira, que aborda as riquezas biológicas e culturais do cerrado.

A experiência com bandas o ajudou também a trabalhar como técnico no teatro da Rede de Hospitais de Reabilitação Sarah e como roadie [técnico ou pessoal de apoio] de bandas, e em festivais.

No grupo teatral Melhores do Mundo, do qual é integrante desde o início da trupe, suas atribuições iam se ampliando com o tempo. Além de compor toda trilha sonora, fazia a sonorização dos espetáculos e atuava em algumas peças. “Era também o contra-regra, trabalho que é uma espécie de roadie do teatro”.

Geraldo Ribeiro

Para Geraldo Ribeiro – ou Gerusa, como é conhecido na cena roqueira desde a famosa Turma da Colina citada entre os agradecimentos nos discos da Legião Urbana – cuidar da sonorização das audiências nas comissões e plenárias da Câmara dos Deputados é algo bem mais simples do que cuidar dos sons dos instrumentos de sua antiga banda, chamada Escola de Escândalo.

“Desde sempre, o que gosto de ouvir é rock. De preferência, pesado”, apresenta-se o baixista, que até os dias atuais continua sendo referência pela “pegada punk” que aplicava no instrumento. “Como todo adolescente de minha época, meu sonho era ter uma banda de rock. Era por diversão mesmo, sem grandes pretensões, apesar de alguns integrantes da turma terem alcançado o estrelato [no caso, as bandas Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude]”, lembra.

Diante das dificuldades para gravar, uma vez que só havia um estúdio em Brasília, Gerusa se juntou com um amigo e montou o estúdio Artimanha. “Inicialmente bem simples, com uma mesa de apenas quatro canais”, diz o músico, hoje com 58 anos.

“Tive de estudar muita eletrônica e produção musical para melhorar meus conhecimentos. E foi necessário fazer muita improvisação por conta principalmente das limitações iniciais que tínhamos”. 

Segundo Gerusa, essa experiência o ajuda até hoje em seu trabalho na Câmara. “É bem mais fácil cobrir as sessões do que gravar bandas de rock. Além da estrutura maior, tenho aqui necessidades menores, além de as tarefas serem divididas. A coisa é voltada apenas para obter uma voz com textura bem-feita, o que é bem simples por não envolver coisas como timbragem”, explica.

A dificuldade de acesso a instrumentos musicais durante os anos 80 o ajudaram a desenvolver uma outra profissão: a de luthier. “Na época em que comecei a querer tocar, os instrumentos musicais eram absurdamente caros e era impossível importá-los. Por isso resolvi fazer um baixo, aproveitando o fato de meu pai ser escultor e ter conhecimentos sobre madeiras”.

Deixado de lado por um tempo, esse hobby voltou à tona há alguns anos, quando Gerusa teve de recuperar alguns instrumentos antigos que tinha. “Comprei o maquinário e, ao ver que havia mercado para isso em Brasília, resolvi voltar à ativa. É algo que faço por lazer, mas que me possibilita uma renda extra”.

Gastão de Medeiros

Ao montar um cardápio no qual os sanduíches tinham nome de bandas de rock, o gastrônomo Gastão de Medeiros, de 53 anos, percebeu que, muitas vezes, o amor de seus clientes por uma banda era tão relevante quanto os ingredientes dos sanduíches, na hora de se fazer o pedido.

A influência do rock em sua vida profissional não para por aí. Vocalista, nos anos 80, da banda Elite Sofisticada, Gastão teve, na popularidade local de sua banda, ajuda para tocar alguns negócios, entre eles, o bar War Games que, na década seguinte, era frequentado por um público bastante fiel ao estilo musical.

“Todo roqueiro quer ter um bar para chamar de seu. Juntei com uns amigos que tinham rockno sangue e resolvemos tocar esse negócio, que acabou se tornando um ambiente de comunhão de roqueiros. Com o tempo, começamos a abrir espaço para apresentações de bandas locais. Chegamos inclusive a patrocinar shows de bandas internacionais na cidade, como o Deep Purple e o Manowar”, lembra.

Outra oportunidade aberta pela experiência na banda foi a profissão de programador musical na Rádio Transamérica. “Isso foi após o Elite ter participado de um programa chamado New Rock, onde as bandas apresentavam as músicas que gostavam e suas principais influências. Acabei fazendo amizade com a equipe, que gostava dos meus pitacos. Passei a ser quem escolhia as músicas da programação”, disse ele sobre a experiência como radialista.

Atualmente, Gastão é dono do restaurante Carmelita Restô, localizado no Parque das Castanheiras, em Vila Velha (ES). “Não deu para viver de rock. Chega uma hora que a gente tem de apostar naquilo que nos dá condição de sobreviver; de pagar o aluguel e alimentar os filhos. Foi o que aconteceu comigo, mas vejo claramente que, em meio aos meus negócios, estou sempre dando um jeito de trazer o rock”, disse ele ao comentar a decoração do restaurante ou a disponibilização do espaço para a apresentação de artistas locais.

“É engraçado o poder de interação que o rock tem. Não sei o nome de muitos dos nossos clientes, mas já sei quais curtem rock e faço questão de, sempre que possível, colocar, no som, as bandas que eles gostam. Além disso eu cozinho, faço faxina e malho sempre ouvindo rock. É uma companhia que terei sempre em minha vida”.

Adriano Faquini


Foi graças “às respostas hormonais e cognitivas” que sentia ao ouvir Led Zeppelin, AC/DC e Beatles que o músico Adriano Faquini, 55, se interessou pelo idioma que, atualmente, representa sua principal fontes de renda: as aulas de inglês. Foi também graças a essa paixão que ele complementa sua renda com apresentações junto a bandas covers ou, sozinho, cantando e tocando seu violão da marca Ovation.

“Eu era fascinado com a sonoridade do inglês nas músicas, e a paixão que tinha às bandas de rock me fez deslanchar nesse idioma. Como eu conseguia cantar igual aos caras que eu adorava, eu sonhava em montar bandas cover numa época em que isso sequer existia”, lembra o músico e professor de inglês.

Depois de passar por diversas bandas e trabalhos autorais, Faquini ganhou público em Brasília com interpretações de músicas que, para serem executadas, requeriam técnicas vocais extremamente apuradas, como as da cantora Janis Joplin.

A fidelidade de seu público fez dele a principal atração no maior reduto musical brasiliense da época, o restaurante Bom Demais, famoso por ter projetado artistas como Cássia Éller e Zélia Duncan.

O rock então abriu caminho para que ele se tornar “um músico da noite”, chegando a ser capa da revista Veja Brasília e ganhar os mais altos cachês da cidade.

Atualmente, Faquini integra algumas bandas que fazem, esporadicamente, apresentações de covers, o que lhe garante um extra para o sustento. Um de seus parceiros é o guitarrista Kiko Peres, da banda Natiruts. Com ele, integra tanto uma banda de cover do Led Zeppelin como a banda Os Marcianos, com quem toca rock acompanhado de músicos das bandas Jota Quest e Pato Fu.

Maurício Lavenère

Quatro panquecas e um envelope com US$ 100. Este foi o primeiro cachê recebido pelo músico, arranjador e produtor musical Maurício Lavenère, 50, quando tinha de 12 para 13 anos.

Filho de um etnomusicólogo, ramo da antropologia que estuda a música em seu contexto cultural, Maurício começou a aprender guitarra com o pai aos 5 anos. Aos 12 já conseguia reproduzir, com o irmão baterista Ticho Lavenère – hoje professor na Escola de Música de Brasília – riffs e solos bastante complexos de bandas como Led Zeppelin e Rush.

“Não era fácil tirar o som das bandas, com os equipamentos limitados que tinha”, lembra ele citando, como exemplo, a necessidade de colocar o amplificador dentro de um armário, com o volume no máximo, para conseguir reproduzir a distorção de guitarras que ouvia em alguns discos.

“A simplicidade e as limitações que tive durante meus tempos de bandas de rock foram determinantes para que eu aprendesse a improvisar com equipamentos”, resume o roqueiro que, aos 14 anos, foi diretor musical de um projeto no único estúdio de gravação da cidade.

O bom trabalho acabou resultando em convites para trabalhar como produtor e como músico em bandas profissionais. “Eu recebia o equivalente, hoje, a uns R$ 50 por ensaio”, lembra. Hoje, como músico profissional, ele acompanha grupos e projetos dos mais diversos estilos.

“A importância do rock para minha formação profissional e para minha vida social é indiscutível. Até porque, para mim, ele vai além da música e personifica, em si, a liberdade que todo ser humano deve ter”, disse.

Kiko Freitas


Trabalhar em rádios e gravadoras como Sony, Warner e EMI foram alguns frutos que Kiko Freitas, 48, colheu a partir da experiência que teve com o rock’n’roll. Dono do selo Blue Records, Kiko já produziu 178 discos.

Músico, compositor, arranjador, produtor musical e engenheiro de áudio, Kiko teve, no rock, uma forma de contestar o pai, que também era músico e participou do movimento da Bossa Nova no Rio de Janeiro.

“Virei roqueiro de raiva mesmo, porque meu pai não me deixava escutar nem Beatles. Para ele era jazz, MPB ou clássico, e ponto”, lembra. Sua primeira guitarra só veio quando tinha 12 anos. “Aí eu infernizei”, disse ele ao lembrar do impacto que o rock causou ao associar “atitudes, sonoridades e novas técnicas desenvolvidas pelos grandes guitarristas” à “explosão hormonal da adolescência”.

Na medida em que ia ampliando os trabalhos de produtor e de engenheiro de áudio, mais ele se via retornando às origens pré-rock’n’roll estimuladas pelo pai. “Músico profissional não pode negar trabalhos. Por isso vou em tudo. Seja samba, jazz, sertanejo, rock, música clássica ou árabe, o importante é sempre ampliar meus horizontes musicais. O legal da música é exatamente esse: o de estar em todos os lugares ao mesmo tempo”.

Gabriel Thomaz


Autor do livro Magnéticos 90: A Geração do Rock Brasileiro Lançada em Fita Cassete, Gabriel Thomaz, 48, é também músico, integrando atualmente a banda Autoramas. Ele despontou no cenário nacional ainda nos anos 90, com a banda brasiliense Little Quail and The Mad Birds, pelo selo Banguela Records.

Gabriel foi um dos poucos de sua geração a conseguir, até os dias atuais, manter a carreira de roqueiro. “Sempre busquei, no rock, a minha originalidade”, diz o autor da música I Saw You Saying”, eternizada pela banda também brasiliense Raimundos.

Entre os elementos que compõem sua originalidade, Gabriel aponta a associação inteligente entre rock e humor. “Fazer obra com humor é questão de inteligência. Tenho muitas músicas de protesto. Há pessoas que não notam, mas são”, disse ele ao vincular suas composições ao rock de protesto que caracterizou Brasília nos anos 80.

Talvez um dos frutos que ele colha atualmente, por ter se dedicado tanto ao rock, seja a eternização de sua juventude. “Sou igual até hoje. Acho até que com mais pique. Graças ao rock conheci todos os estados de meu país e fiz shows em 23 países. Sempre conversando com as pessoas sobre todas as coisas. É ótimo para quem, como eu, sempre gostou de estudar história e geografia”, disse.

“Quase tudo que eu consegui na vida foi por causa do rock’n’roll. Sou muito grato a isso. E é engraçado porque o tempo vai passando e cada vez mais eu vou mergulhando nesse universo. Gosto de ajudar bandas e artistas. Isso para mim é uma forma de retribuir todo esse privilégio que eu tive”, complementa.

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