Famílias que convivem com autismo buscam adaptação



Para aqueles que têm Transtorno de Espectro Autista (TEA), as mudanças na rotina – impostas pelas medidas de isolamento social – têm um peso maior, tanto no âmbito psicológico quanto físico. De acordo com especialistas, a mudança brusca nas atividades prejudica o desenvolvimento dos indivíduos. É dentro desta realidade que as famílias estão tendo de se readaptar, fazendo uso das tecnologias para driblar as dificuldades.

Desde o mês de março, Cristina Melo, 53 anos, está em isolamento social com o esposo e os dois filhos, Lucas e Gabriel, gêmeos de 16 anos, que são autistas. Ela relata que a alteração na rotina tem afetado o comportamento dos filhos, que acabam ficando mais angustiados dentro de casa. 

As idas diárias à Associação dos Amigos Autistas da Bahia (AMA), à escola, além da prática semanal de atividades físicas, idas à praia e shoppings nos finais de semana foram interrompidas. “É difícil fazer com que eles entendam. Moramos num apartamento pequeno, eles acabam ficando muito agitados. A gente tenta viver um dia de cada vez, porque um dia eles estão bem, outro dia, não”, conta Cristina. 

Como se não bastasse o isolamento e as dificuldades impostas pelo TEA, a mãe ainda está tendo de lidar com a falta de tolerância da vizinha, que reclama do barulho dos gêmeos. “Agora, com a pandemia, piorou, porque ela está mais tempo em casa. Fica batendo com a vassoura no teto. É muito triste a gente lidar com esse tipo de preconceito. Não há empatia. Ela acha que eles tinham que estar internados ou amarrados. Vou ao Ministério Público para tomar medidas mais drásticas”, diz. 

A psicóloga e psicopedagoga Ludmilla Fonseca explica que, dentro do espectro, existem níveis de gravidade relacionados tanto à incapacidade de comunicação e interação dos autistas com outras pessoas quanto à presença de estereotipias, que são comportamentos repetitivos feitos para a autorregulação. “São sujeitos que, quando mudam a rotina vivenciada, ou até mesmo um objeto de lugar, sentem muito. Com a pandemia, mudamos tudo e, evidentemente, para eles isso acaba tendo uma complexidade sobre como conduzir”, explica.

De acordo com a especialista, muitas das atividades comumente desenvolvidas para o autista dentro do âmbito do tratamento visam aos ganhos funcionais, a partir de um planejamento terapêutico gradativo. A interrupção, tanto das atividades cotidianas quanto do acompanhamento profissional, resulta em estagnação das conquistas e em uma maior irritabilidade dos pacientes. “Daí perdemos aquele trabalho de protagonismo e independência, além das questões de comunicação que vínhamos trabalhando. Alguns pacientes têm comorbidades, o que dificulta sair de casa. Além disso, muitos profissionais não estavam preparados para se adaptar a esse atendimento online”. 

Internet

A psicóloga, que também é mestra em educação e contemporaneidade, pontua que, em regra, os profissionais que acompanham essas pessoas têm que orientar e amparar as famílias com atividades e estimulações que os próprios responsáveis consigam fazer. “Hoje temos várias plataformas que podem mediar a aprendizagem e as atividades da vida diária. A internet possibilita muitas plataformas de conteúdo que estimulam várias áreas cognitivas. Em regra, os autistas aderem muito bem às tecnologias, mas temos a necessidade de adaptar cada caso”, pondera. 

Na página do Facebook do Espaço Recriando, é possível encontrar atividades que podem ser feitas com as crianças. A página pode ser acessada no endereço facebook.com/RecriandoReabilitacao/. No instagram @ama.bahia , lives acontecem para orientar os pais na lida com as crianças durante o período da pandemia. 

Especialistas recomendam que as famílias tentem estruturar o dia a dia das crianças dentro de casa de forma que as atividades fiquem bem demarcadas. “De preferência fazendo um quadro em que especifique a divisão das atividades ao longo do dia, ou seja, escovar os dentes, tomar café, ver um filme”, orienta a médica psiquiatra Milena Pondé. 

De acordo com a psiquiatra, a rigidez do comportamento é uma das muitas características do TEA, por isso é importante criar uma nova rotina. “Eles têm uma dificuldade de funcionar fora de um script estabelecido. Então, quando você estipula uma rotina e ele sabe o que vai acontecer, isso ajuda muito o autista a se regular. O caráter novidade ou inesperado desestrutura muito ele”, observa. 

Associação criada há 17 anos acolhe famílias baianas

Há 17 anos começou a funcionar em Salvador a Associação dos Amigos do Autista da Bahia (AMA). O sonho realizado de uma mãe, que esperava que o filho tivesse acesso à educação, resulta hoje em uma instituição que ampara 249 famílias da capital baiana. 

Após o filho passar por várias escolas comuns e especiais e não conseguir se adaptar, Rita Brasil – hoje presidente da AMA - decidiu abrir um espaço dedicado a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

“Fui conhecer a AMA em São Paulo e foi a primeira referência que tive. A partir de então começamos com cursos e especializações, recebíamos mães que estavam com os filhos nas mesmas condições que eu, sem ter onde estudar”, lembra. 

A associação, que começou com quatro crianças, hoje conta com 249 estudantes, que são amparados por cerca de 60 funcionários. Dentre estes, estão psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. 

Convênios com a prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Smed) e da Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre), e com o governo do estado possibilitam, dentre outras coisas, a capacitação de professores e o custeio de gastos como o aluguel da casa onde está a sede. 

Lives na pandemia

Os filhos gêmeos de Cristina Melo, 53 anos, são alunos da AMA desde os dois anos e meio de idade. Agora, Gabriel e Lucas estão com 16 anos. “Neste período da pandemia, a AMA está promovendo uma série de lives que ajudam a lidar com nossos filhos. Passam alguns exercícios e tarefas para que eles possam fazer. Gabriel ainda não conseguiu se ajustar, mas o Lucas, sim”, contou. 

A presidente da AMA conta que na Bahia existem, em média, 220 mil pessoas com autismo. Na fila de espera para fazerem parte da AMA já são mais de mil. “A população de hoje não é como a de antigamente. As famílias estão em busca de processos de inclusão, atendimento e querem que os planos de saúde arquem com despesas do tratamento, o que é de extrema importância, pois percebemos que quanto mais cedo o tratamento começa, mais cedo a criança evolui. Precisamos fazer com que existam políticas públicas que compreendam essa necessidade”, defende Rita. 

A associação oferece atendimento gratuito aos alunos. “Temos pais que estão na rede municipal de ensino e temos alguns pais parceiros que são sócios contribuintes. Não que eles sejam obrigados a fazer isso, mas alguns contribuem e ajudam a gente neste processo; 80% do atendimento é voluntário”, conta a presidente da instituição. 

Isolamento agrava quadros de ansiedade

A terapeuta ocupacional Ana Dias tem feito teleatendimento com pacientes. Ela relata que algumas crianças com dificuldades mais leves têm aumentado os quadros de ansiedade durante o isolamento social. “Vamos orientando as famílias como fazer com as crianças por meio de vídeos, tudo de acordo com a avaliação que já tinha sido realizada e com os objetivos que a gente almeja. No caso da terapia ocupacional, trabalhamos aquelas atividades rotineiras que envolvem linguagem, criatividade e o brincar. Continuamos trabalhando, mas, agora, como facilitadores para que os pais assumam este protagonismo”, pontua a especialista. 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem 70 milhões de pessoas com autismo em todo o mundo. No Brasil, aproximadamente dois milhões de pacientes estão nessa condição. Mas ainda não há uma delimitação exata, que só será possível a partir dos próximos censos demográficos. 

A equipe de A TARDE entrou em contato com o Ministério da Saúde (MS) para saber quantos autistas vivem hoje no Brasil e se há pesquisas voltadas ao público que tenha TEA, a fim de pensar medidas de saúde pública. Por meio de nota, o MS respondeu que os pacientes são atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS) por equipes multiprofissionais. A pasta informou que a rede de cuidados à pessoa com deficiências de todos os tipos conta com 2.556 serviços de reabilitação, além de outros 5.895 serviços de reabilitação credenciados pelos gestores locais (municipal/estadual). 

Dados oficiais

De acordo com o ministério, “o atendimento nos centros especializados em reabilitação compreende, além da avaliação multiprofissional, acompanhamento em reabilitação intelectual e dos transtornos do espectro do autismo, bem como orientações para uso funcional de tecnologia assistida. A avaliação multiprofissional é realizada por uma equipe composta por médico psiquiatra ou neurologista e profissionais da área de reabilitação, para estabelecer o impacto e repercussões no desenvolvimento global do indivíduo e sua finalidade”.

A pasta declarou que utiliza, quando necessário, dados da população com deficiência informados no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos anos de 2000 e 2010, os quais são considerados fontes oficiais. Em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 13.861/2019 que obriga a inclusão, nos censos demográficos de informações específicas sobre pessoas com autismo. Por enquanto não existem dados oficiais sobre as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. O censo, realizado a cada dez anos, aconteceu pela última vez em 2010.

Fonte: A Tarde

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