Desde que o governo anunciou o bloqueio de verbas para as universidades e institutos federais, além das mobilizações contra a medida, surgiu também um debate no campo do discurso. Se trata de um corte ou de um contingenciamento? O governo diz que é o segundo, já as entidades atingidas ressaltam se tratar da primeira opção.
A fim de sanar dúvidas e esclarecer como se caracteriza o bloqueio, o Bahia Notícias procurou um especialista em Gestão Pública. Vice-presidente de Controle Interno do Conselho Regional de Contabilidade (CRC) e professor da área, Evaldo Souza aponta que, de fato, o termo correto é contingenciamento.
Ele explica que o nome se refere a um artifício utilizado pelo poder público, a fim de reequilibrar despesas e receitas. De acordo com o professor, isso ocorre quando há disponibilidade orçamentária, mas não disponibilidade financeira. Então se bloqueia determinada quantia até que se tenha condições de arcar com os custos advindos dela. "Por exemplo, eu tenho saldo no meu cartão de crédito, mas não tenho dinheiro pra pagar a fatura no mês que vem. Então, eu não vou gerar uma fatura que eu não tenha disponibilidade para cumprir".
Sendo assim, Souza acredita que esse congelamento de gastos foi prudente para evitar danos posteriores, como punições pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para ele, ações como essa se fazem necessárias quando um novo ano começa e o governo detecta a ocorrência de uma frustração na receita, que é quando a arrecadação não atingiu as metas definidas. Nesses casos, surge a necessidade de executar esse plano de congelamento, que só pode ser aplicado aos gastos discricionários. São eles custos como água, limpeza, luz, obras, equipamentos, contratação de terceirizados e os investimentos em pesquisas. Já as despesas obrigatórias, como é o caso do pagamento de salários, aposentadorias e da assistência estudantil, não podem ser atingidas.
O professor afirma, contudo, que "nada impede" que, com a retomada da receita e com o crescimento da economia, esses recursos possam ser desbloqueados. É esse, inclusive, o discurso do governo federal. Em suas manifestações, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, vem repetindo que essa liberação pode ocorrer no segundo semestre deste ano. No entanto, não há uma estimativa concreta nem garantia de retorno dos investimentos. Pelo contrário, o progresso econômico do país tem sido vinculado à aprovação da reforma da Previdência, que ainda tramita na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, e enfrenta grande resistência da oposição no Congresso e da população.
Assim, não foram poucas as mobilizações contra o bloqueio nos recursos destinados às instituições de ensino. Nessa quarta-feira (15), estudantes, professores e apoiadores da causa lotaram as ruas de todas as 26 capitais do país, do Distrito Federal e de outras cidades em protesto (saiba mais aqui).
Já na tarde desta quinta (16), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou os números do “Painel de Cortes”: 1.336.977 estudantes de graduação foram prejudicados, 202.395 mestrandos e doutorandos na mesma situação, 5.118 cursos estão em risco e 398 vagas estão ameaçadas. Somando apenas as quatro universidades federais da Bahia, o bloqueio discricionário, segundo a entidade, é de R$ 98,73 milhões, o que representa um corte de 31,50%.
Apesar disso, o governo não demonstra possibilidade de recuo no contingenciamento e o presidente chegou a desmoralizar os protestos. Dos Estados Unidos, onde recebeu uma homenagem, Jair Bolsonaro (PSL) classificou os manifestantes como “idiotas úteis” e “massa de manobra” que não sabe nem a fórmula da água (veja aqui). BN
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