O Caso Gerson “vaqueirinho” e a ausência do Estado


A morte do jovem Gerson de Melo Machado, no Parque zoobotânico Arruda Câmara em João Pessoa, amplamente noticiado pela imprensa, pelo ineditismo de ter pulado na área reservada a uma leoa sendo morto.

O jovem com histórico de vida de abandono familiar e social, sem acompanhamento algum, desde a infância, filho de mãe esquizofrênica, único filho não adotado, já com algumas prisões, por comportamento imaturo, impulsivos, não predatório, pedidos insistentes de comida, passando toda a vida entre abrigos, rua, intervenções superficiais do Conselho Tutelar, pobreza extrema.

Chega-se até a se discutir um possível “suicídio”, quando o quadro claramente aparenta um delírio lúdico, onde ele imaginou ser um domador de leões, já tendo inclusive passado por episódio de tentar entrar no trem de pouso de um avião imaginando ir para África, para estar entre estes animais selvagens.

Esta morte trágica aponta para a falta de suporte do Estado Brasileiro para acolher pessoas com este tipo de perfil. Muitas destas pessoas vão precisar desde a infância de um espaço onde possa ser acolhido com dignidade, diagnosticado devidamente, internado quando necessário, mas, ter suporte territorial por toda a vida.
A Lei 10216/2001 estabelece a mudança de modelo assistencial em saúde mental, fechando gradativamente os hospitais psiquiátricos para abertura de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, os Centros de Atenção psicossocial, as unidades de acolhimento adulto e infantil.

A primeira avaliação sobre um sofrimento psíquico deve ser iniciada na atenção básica, que agora conta com um manual (Escala Brasileira de Avaliação das necessidades de cuidado em saúde mental) criado por pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein para ajudar a atenção primária a identificar os sofrimentos mentais menores daqueles que necessitam de atendimento especializado, evitando lotar os serviços especializados com demandas que deveriam estar sendo cuidados na atenção primária, nas Unidades básicas de saúde.

Já tínhamos há muito tempo o Caderno 34 da Atenção Básica/ MS, que apontava este fluxo, mas, por falta de efetividade da grande maioria dos profissionais da atenção básica, este fluxo tem dificuldade em vingar entre as gestões.
Conclui sobre o caso “Vaqueirinho” o psiquiatra goiano Marcelo Ferreira Caixeta, pós-graduado em psiquiatria infantil pela USP, com vários livros publicados, avaliando o vídeo que a morte do jovem ocorreu por: “delírio lúdico de um jovem com provável neurodesenvolvimento anômalo, vivendo em abandono radical, sem assistência psiquiátrica. (…) sendo um gesto não intencional de autodestruição, mas um ato imaginativo de uma mente infantilizada e psicótica, que acreditava ser domador”.

No Caps IJ de Jacobina os profissionais recebem inúmeros casos que não são de transtornos mentais maiores, muitos nem mesmo de atenção psicossocial ou da especialidade de psiquiatria, sendo acolhidos e direcionados para o cuidado devido, mesmo sabendo daquilo que aponta o psiquiatra Marcelo Caixeta: não temos rede de suporte suficiente para todos os casos que como o de “Vaqueirinho” são apontados de violadores da ordem pública.

Muitos com famílias desestruturadas, sem suporte social, moradores de rua, sem abrigos para adultos ou menores, sem vagas em leitos de hospital geral ou psiquiátricos suficientes para quem precisa na Bahia, quando temos acolhida nos serviço de emergência (SAMU/UPA) além do período devido, sem o devido acolhimento na regulação estadual, não terão suas demandas resolvidas com uma consulta psiquiátrica de “urgência” num Caps, serviço de atendimento das 07h00min as 17h00min, que não atua em território.

O psiquiatra goiano aponta ainda: o governo, o judiciário e a política antipsiquiátrica brasileira têm corresponsabilidade direta neste desfecho.
Eu acrescentaria que o Estado Brasileiro ainda não consolidou a proposta do modelo substitutivo com o “fim dos manicômios”. O que se propõe na Portaria 3088 de dezembro de 2011 (Lei da RAPS) é a estruturação de uma rede de apoio que vai do território onde se vive, a suporte especializado e rede de apoio social, que ainda não existe na maioria dos municípios brasileiros.

Muitos dos casos são indevidamente encaminhados para os Caps, técnica e eticamente, sem qualquer avaliação anterior, seja de clinica médica, do contexto social ou familiar, sem relatório algum da história de vida do cidadão nem de sua possível rede de apoio, expondo aos riscos profissionais e usuários.

Aparentemente os “encaminhadores” são bem intencionados, terceirizando responsabilidades, mas, não ajudam em nada quando pulam etapas e acreditam que uma prescrição médica de urgência resolverá a vida de alguém.

Dezembro de 2025
Cledson Sady
Diretor de Saúde Mental

Fonte: Jacobina 24 Horas

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