Após 15 anos, Justiça baiana condena comunicador por estupro de adolescente


Acusado de estupro se defende e alega motivações políticas por trás das acusações | Freepik

“Eu fui vista como a mentirosa”. Nos últimos 15 anos, a frase ecoava na cabeça de Hilana Fernandes, de 32 anos, vítima de violência sexual quando era menor de idade, na cidade de Camamu, no sul da Bahia. Até hoje hoje ela aguarda a prisão do acusado, possível após decisão da Justiça da Bahia. A Vara Criminal de Camamu determinou na última quarta-feira (9) a sentença de mais de 14 anos ao réu, mas o julgamento cabe recurso.

Segundo a sentença, o crime ocorreu na madrugada de 21 de outubro de 2010, quando o comunicador Eduardo Ferreira de Almeida Neto, 38, — na época com 23 anos — consumiu e ofereceu bebidas e drogas para um grupo de menores de idade, após o evento, o ele deixou uma parte do grupo em suas residências, mas levou a vítima para uma área distante e escura da cidade.

Ainda conforme a decisão da comarca, sob responsabilidade do juiz Cidval Santos Sousa Filho, no carro, o homem forçou a adolescente — na época com 17 anos — a consumar uma relação sexual, mesmo diante da resistência da jovem.

Eduardo Ferreira de Almeida Neto acusado de estuprar uma jovem em Camamu no Sul da Bahia


Os autos descrevem que, dentro do carro, Eduardo foi para o banco de trás do veículo. Ele fez menção de beijar a vítima e, ao ser negado, pediu para que ela tirasse a roupa, alegando que desejava apenas vê-la nua para se masturbar. Com a resposta positiva da vítima, ele descumpriu o que havia sido dito e estuprou. Hilana o mordeu e gritou em uma tentativa de sair dali. Foi então que Eduardo saiu do carro e se masturbou até ejacular no chão. Quando retornou ao automóvel, proferiu frases indicando arrependimento: “o que foi que eu fiz?”. De acordo com a vara, o laudo pericial apontou lesões compatíveis com violência sexual.

Como argumento para a decisão, o juiz pontuou que o acusado "aproveitou-se cinicamente de um momento de vulnerabilidade da vítima, que havia consumido álcool e substâncias entorpecentes por ele mesmo fornecidas, para levá-la a um local ermo e isolado, onde, longe de qualquer possibilidade de socorro, praticou o crime".
“O acusado, homem adulto e consciente de seus atos, optou deliberadamente por destruir a inocência e a dignidade de uma adolescente que depositava nele alguma confiança. Aproveitou-se de sua posição de superioridade física e psicológica para praticar um dos crimes mais vis e reprováveis que existem no catálogo penal”, argumentou o magistrado.

Em entrevista exclusiva ao BNews, a vítima compartilhou as angústias vividas no momento do crime e que continuam presentes na vida dela.
Toda vez que olho para um coqueiro, lembro do ocorrido... No dia em que cansei de lutar contra ele, de resistir... Fiquei olhando para um coqueiro de dentro do carro, deitada no banco de trás. Hoje em dia isso [ ver um coqueiro] me traz automaticamente à memória. Pode parecer bobo, não é? Mas é assim que funciona. Eu simplesmente segui em frente, sabe? Mas não é algo que se esquece facilmente. Existem coisas que sempre me vêm à mente. Quando me olho no espelho, lembro do dia em que ele me estuprou e, ao me olhar, senti nojo do meu corpo” emocionou-se a vítima.

Além da violência física, Hilana recorda que a agressão verbal da população também a marcou. “Na época, fui julgada como mentirosa e drogada. As pessoas não queriam saber do estupro em si, só se preocupavam com as drogas. Diziam: 'Ah, mas ela facilitou porque estava usando drogas'”, lembra.

"O que saiu na cidade era que eu era uma mentirosa, que destruí o relacionamento dele e que era drogada. Foi horrível viver isso. Eu não queria fazer a denúncia porque todo mundo estava dizendo que eu era a mentirosa da história. Isso só me expôs mais. Minha mãe dizia: 'Vai dar certo, vai dar certo', mas ficou parado por tanto tempo. Sinceramente, eu nem imaginava que isso iria dar em algo” contou Hilana.

Após a denúncia, a vítima relatou à reportagem que sofreu tentativas de retaliação por parte de amigos do acusado, devido à influência dele na cidade. "Eu temo pela minha vida", desabafou. Desde então, Hilana destacou que buscou ajuda psicológica junto à família para lidar com os traumas dessa situação, que perdura há 15 anos.

O homem é comunicador popular na cidade de Camamu e é CEO do blog "Camamu Notícias", que se autointitula nas redes sociais como o “líder em audiência” e conta atualmente com mais de 36 mil seguidores. Esse número ultrapassa a quantidade de habitantes da cidade, que é de 30 mil moradores, conforme o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Entre os seguidores, estão prefeitos e deputados da localidade e das regiões adjacentes.

Crime premeditado

Além do crime praticado contra a integridade da menor, a decisão da Vara Criminal de Camamu destaca que a violência sexual executada por Eduardo não foi um caso isolado. Durante o processo, a vítima relatou ter tido conhecimento de que o acusado teria cometido abusos semelhantes contra ao menos outras três meninas. A informação, confirmada em juízo, reforçou a tese de que Eduardo mantinha um padrão de comportamento recorrente, o que foi considerado de extrema gravidade pelo juiz responsável pela sentença.

O juiz também revelou que o crime foi premeditado. Testemunhas afirmaram que Eduardo costumava aliciar adolescentes oferecendo bebidas alcoólicas e drogas como cocaína e maconha, mesmo sabendo que elas eram menores de idade.

Uma das jovens ouvidas pela justiça afirmou que ele levava frequentemente as meninas para festas e passeios, criando um ambiente de vulnerabilidade. Para o magistrado, esse comportamento demonstra que o acusado agia de forma planejada, para facilitar a prática de crimes sexuais.
Os elementos probatórios demonstram que Eduardo Ferreira não apenas cometeu o crime de estupro, mas também se dedicou sistematicamente ao aliciamento de adolescentes menores de idade, introduzindo-as ao consumo de substâncias entorpecentes”, informa o juiz.

“A conduta revela não apenas oportunismo, mas deliberada criação das condições propícias para a prática delitiva”, pontua a sentença. “Tal ardil revela calculismo e crueldade que agravam sobremaneira a reprovabilidade da conduta”.

Diante das provas apresentadas e constatadas em juízo, o réu foi condenado pelo crime de estupro, em razão da vítima ser menor de 18 anos. A pena prevista é de 9 anos e 6 meses de reclusão, com um aumento de um a dois anos devido à menoridade da vítima, totalizando 14 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado. Apesar da sentença, existe a possibilidade da defesa de Eduardo abrir recurso contra a decisão.

“Eu sei quem eu sou”

Em conversa com a equipe do BNews, Eduardo Ferreira comentou o processo criminal que enfrenta e a sentença de condenação em primeira instância. Ao se defender, ele afirmou ser uma pessoa íntegra e destacou sua popularidade na cidade de Camamu. “Sou muito popular aqui, tenho muitos conhecidos”. Ainda afirmou que, há motivações políticas por trás das acusações. “Infelizmente, tem um lado político que não gosta de mim”, afirmou.

Segundo o réu, não houve violência sexual. Na verdade, ele e a jovem tinha um “caso”, de forma extra-conjugal. “Na época, eu era casado e tinha uma filha. Nós nos encontrávamos e agíamos de forma discreta; minha esposa sabia de tudo. O que aconteceu foi que acabamos nos envolvendo mais. Depois, eu decidi me separar dela. Não foi exatamente uma separação formal, mas eu não queria mais viver aquela vida de loucura, com bebida e drogas”, contou Eduardo ao BNews.

“Até hoje, eu não entendo o que aconteceu na minha vida, porque não sou uma pessoa ruim. Sou uma pessoa boa, responsável e com credibilidade. Na verdade, eu tinha essa credibilidade, mas depois de tudo isso, minha vida virou um inferno. Essa é a verdade”, lamentou o acusado.

Eduardo ainda destacou que “não tinham outras pessoas” e a vítima “falou várias inverdades”. “Eu não tenho nenhum outro processo, o único processo de abuso é esse. Não há nenhum outro”, afirmou o réu. Diante da sentença, o acusado informou que “a voz da mulher sempre conta mais alto na justiça em relação à do homem”.

Acusado de violência sexual em cidade baiana segue em liberdade/ Freepik


Recurso e prisão

Diante da sentença de 14 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado, emitida pela comarca local, o advogado de defesa, Valmário Bernardes, destacou que possui “jurisprudência consolidada que afirma que a palavra da vítima, por si só, não pode ser o único elemento de prova para a condenação”.
A versão apresentada pela vítima, apesar de ter mantido a constância, vai de encontro a prova técnica, tanto o relatório médico apresentado pela vítima quanto pelo exame realizado pelo médico perito do Departamento de Polícia Técnica. Essas provas também merecem ser levadas em consideração”, indagou o defensor.

O advogado ressaltou que irá abrir um recurso para o TJ-BA contestando a decisão. O caso pode ser levado até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, se ambos os tribunais decidirem a favor da vítima, a prisão de Eduardo será decretada.

Fonte: BNews

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