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Um exame de imagem pode definir as condutas tomadas por um médico durante o tratamento de uma doença. Porém, caso a análise seja feita de forma equivocada, a saúde do paciente pode estar em risco. Essa é a denúncia feita por duas médicas que atuaram para uma empresa de laudos que presta serviços ao Hospital Santo Amaro, em Salvador.
Ao Bahia Notícias, as profissionais que possuem registro ativo vinculado ao Conselho de Medicina da Bahia (Cremeb) - e que preferiram não se identificar por medo de represálias - reveleram que o problema pode ser ainda maior. Segundo as médicas, uma empresa estaria falsificando laudos de exames, utilizando o nome de profissionais vinculados a ela.
As médicas relataram que trabalharam para uma clínica em Camaçari, em 2022, realizando ultrassom. No final do ano passado, o responsável da clínica apontado por elas, de prenome Bruno, apontou que iria expandir os serviços e iniciaria com a execução de tele laudos do Santo Amaro. Um convite para as médicas teria sido feito, mas para a realização de análises de raio-x e mamografias, dentro de um sistema remoto vinculado à empresa.
"Ele entrou em contato, pediu para colocar nossa assinatura em um papel e tirar foto. Para realizar o cadastro na plataforma e já imprimia com a assinatura. Não vi problema e fiz isso. Ela também fez a mesma coisa. Ela não chegou a fazer nenhum laudo, eu ainda cheguei a fazer alguns, não fiquei 15 dias, tudo isso no mês de novembro. Ele mandou a senha e o login. Para entrar na plataforma colocava o nome e colocava a senha. Em novembro eu desisti, pois minha carga horária estava puxada. De lá para cá, nunca mais fui. A colega nunca nem acessou", disse uma das médicas.
Porém, em maio deste ano, uma das médicas teria recebido por uma amiga, também médica, uma foto de um exame de tomografia, com seus dados, como se tivesse sido laudada por ela. "Ela acreditou que seria por mim, ela ainda perguntou sobre o valor dos laudos. Eu falei que não tinha feito. Junto a ela tinha uma pessoa que trabalhava lá, na parte administrativa. Ela indicou que a pessoa disse que tinham vários laudos meus todos os dias. Vi que o laudo era totalmente diferente de uma descrição médica. Ela mandou outros exames, outras pessoas que trabalham no Santo Amaro também imprimiram outros exames. Alguns nem pareciam ser laudados por médicos. Eram exames de paciente de UTI, raio-x de recém-nascidos. Coisas que me deixaram desesperadas", apontou.
"Entrei em contato com o Cremeb, fiz o registro. Fiz um boletim de ocorrência na delegacia e fui orientado por colegas a procurar um advogado, pois não sabia quantos laudos tinham em meu nome, se tem só em Salvador. Mandei um e-mail também para o diretor técnico do Santo Amaro, o Dr. Sidney Aganeiro, pedindo a retirada do meu nome da plataforma e que reconvocasse todos os pacientes para serem refeitos os exames. Pois me parecia que os exames não eram laudados por médicos. Ele não me retornou, não me ligou. Logo após, a minha colega acessou a plataforma".
Após a descoberta e o relato, a outra profissional que é sua amiga, que também tinha registro com a empresa decidiu procurar informações. "Vários amigos nossos ficaram com medo, pois não sabíamos se tinham nossos laudos. Eu me cadastrei, mas nunca laudei. Tinha uma rotina, só fiz para ter uma opção de emprego quando tivesse tempo. Quando estourou a bomba, todos que tinham feito o cadastro ficaram com medo e eu entrei. Quando eu entrei, tinham 7 exames meus. Nem sei de quem é, nunca vi o exame e estavam laudados com minha assinatura, inclusive um paciente de UTI, um senhor de 96 anos. Ficamos desesperados também", comentou a segunda médica.
"Um dos exames que vimos, é de um mesmo paciente. Tem 96 anos, na UTI, e tem um com meu nome e outro, na mesma hora e no mesmo dia, com o nome da colega. Um foi enviado para o plano de saúde e o outro para o SUS, com o nome da Fundação José Silveira. Um do privado e outro do público", acrescentou.
A profissional explicou que os "exames definem a conduta do que vai ser feito". "Eu me desesperei. Não tinha visto nenhum exame, não sabia a história. Então fiz o mesmo procedimento no Cremeb, o boletim e mandei os e-mails. Nessa plataforma, eles conseguem alterar nossa senha e apagar os exames. No outro dia, já tinham apagado dois, e hoje não tem mais nenhum. Não sabemos a dimensão do problema. Tanto que tem amigos nossos que trabalhavam para eles, que também estão com medo. Como dá para apagar, os médicos estão desesperados por conta da exclusão", disse.
Com a "explosão" do caso, as profissionais foram em busca da empresa Qualy Medicina Diagnóstica. "Pesquisamos e descobrimos que tem dois sócios. São Tiago Rios e Gabriel Cerqueira. Quando descobrimos isso já tínhamos acionado os advogados e eles tentaram entrar com eles. Mandaram mensagens, se identificando, o Tiago não respondeu e a Gabriela ainda respondeu, mas disse que não sabia de nada. O Sidney, junto ao jurídico do hospital, chegaram a marcar uma reunião, mas não apareceram. No mesmo dia eu consegui então falar com Sidney, perguntando sobre a reunião, ele disse que iria remarcar e novamente sumiu", pontuou.
Após o movimento, as médicas acionaram o Ministério Público da Bahia (MP-BA) e devem acionar o Ministério Público Federal (MPF), através dos advogados que as representam, Guilherme Neto e Yasmina Aras. "A partir daí aumentou mais nosso desespero, pois não tivemos o retorno do hospital. Não tivemos o apoio do diretor, que era um colega médico que sabia a gravidade disso", explicaram as profissionais.
"O meio médico, cada um de outro hospital acaba se conhecendo. Uma das chefes lá dentro, da ultrassom, conversou com os médicos de lá para não dar atenção se ouvisse algo sobre laudos falsos. Que era uma tempestade em copo d'água. Eles perderam o controle da situação, pois saíram vários laudos. Essa pessoa sumiu e não falou mais nada. Descobrimos que ela é prima do Tiago Rios, a Isabela Rios, que coordena o serviço de ultrassonografia do Santo Amaro. Ela colocou o áudio no grupo de médicos de lá", apontaram.
O Bahia Notícias teve acesso ao áudio atribuido a Isabela, onde ela relata o caso em um grupo de médicos do hospital."Tem uma história, falando de laudo, do Santo Amaro, na verdade o Bruno, que ajuda a gente, a médica laudou para gente raio-x (...) parece que quando foi clicar lá, clicou no numero errado, aí entrou nome dela, aí ela está divulgando de uma forma bem, depreciando e não é bem assim. Quantas vezes já aconteceu isso (...) Isso não procede, então vocês cortem logo, para não ficar essa coisa chata que está gerando aí", diz a gravação.
"Essa Isabella entrou em contato com nossa advogada, que eu estava certa, que o hospital teria que convocar os pacientes, mas que não foi nada demais. Nós queríamos resolver de maneira pacífica, porém, o principal, o jurídico do Hospital e o diretor não quiseram conversar. Alguns ainda diziam que os laudos eram meus, mas nunca fiz esses laudos. Nunca vi o paciente", acrescentou uma das médicas.
Sob a incerteza, as médicas ainda temem algumas represálias por conta da exposição no meio médico e pela segurança. "Esse Bruno chegou a ir até um local onde trabalho, mas no dia eu tinha cancelado minha agenda. Não sei o que ele queria falar. Meu esposo, com medo, chegou a contratar um segurança para me acompanhar", relatou.
A reportagem teve acesso a todos os documentos encaminhados pelas profissionais ao Ministério Públicos, através dos advogados.
O OUTRO LADO
Procurado pelo Bahia Notícias, o Hospital Santo Amaro, que tem a gestão feita pela Fundação José Silveira apontou que estaria apurando as informações sobre o caso e não encaminhou detalhes até o fechamento da matéria.
Já os sócios da Qualy Diagnósticos, Tiago Rios e Gabriela Cerqueira não responderam aos contatos feitos pela reportagem. O Bahia Notícias não conseguiu contato com Bruno, relatado pelas médicas durante a matéria.
Fonte: Bahia Notícias
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