Um mês depois de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionar lei que amplia as possibilidades de internação involuntária de dependentes de drogas, pesquisa Datafolha mostra que esse tipo de tratamento tem amplo apoio da população.
Oito em cada dez brasileiros acham que dependentes químicos deveriam ser internados mesmo contra a sua vontade para tratar o vício.
Outra pergunta feita pelo Datafolha dá uma ideia da dimensão do problema no país: 27% dos brasileiros afirmam ter um parente próximo envolvido com o consumo de drogas.
O instituto ouviu 2.086 pessoas com mais de 16 anos em 130 municípios, nos dias 4 e 5 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
O apoio à internação involuntária, que é de 83% na população em geral, pouco varia quando se dividem os pesquisados por idade, renda ou escolaridade, permanecendo sempre acima de 70%.
Os grupos com menos percentuais de apoio a essa possibilidade são os mais jovens (74% entre os brasileiros de 16 a 24 anos) e os que têm ensino superior (75%).
A religião também influi pouco no apoio à internação para tratamento contra a vontade do dependente. Católicos, evangélicos e seguidores de religiões afro-brasileiras como umbanda e candomblé têm índices de aprovação à medida acima de 80%.
Só entre os espíritas (72%) e entre os que não têm religião ou são agnósticos (70%) há apoio um pouco menor.
A lei sancionada em junho prevê que dependentes de drogas possam ser acolhidos, sempre de forma voluntária, em comunidades terapêuticas que ofereçam tratamento voltado à abstinência.
Essas comunidades são normalmente instituições de cunho religioso, algumas das quais já foram alvo de denúncias de desrespeito a direitos dos usuários.
Quando se pergunta se o dependente que não tem condições de decidir por si próprio deve ser internado se a família assim o quiser, o apoio é quase unânime: 94% dos ouvidos pelo Datafolha são favoráveis.
Essa taxa de aprovação é a mesma tanto entre os brasileiros que têm familiares envolvidos com drogas quanto entre os que não têm.
O percentual de entrevistados que dizem ter familiares próximos envolvidos com drogas pouco varia quando se leva em conta a escolaridade e a renda. Entre os que têm ensino fundamental, médio e superior, os percentuais são de 28%, 27% e 27%, respectivamente, dentro da margem de erro, portanto.
Quando se analisa a renda, a maior incidência de relatos de familiares envolvidos com drogas é no grupo dos que têm renda familiar de até 2 salários mínimos (29%); e a menor, entre os que têm renda familiar de entre 5 e 10 salários mínimos (21%).
Apesar da política de drogas mais restritiva, com foco em abstinência e comunidades terapêuticas em detrimento da redução de danos, ser uma bandeira do atual governo conservador, os dados do Datafolha mostram que a preferência política tem pouca ligação com o apoio às internações involuntárias.
A taxa de aprovação a essa possibilidade é similar entre quem disse ter votado em Bolsonaro e em Fernando Haddad (PT) nas últimas eleições: 86% e 81%, respectivamente.
A aprovação à internação involuntária a pedido da família nos dois grupos é igual à registrada na população em geral: 94%.
A legislação brasileira faz distinção entre a internação compulsória (determinada pela Justiça) e a involuntária (determinada por um médico, com consentimento da família ou responsável legal).
O texto sancionado em junho prevê que a internação involuntária também poderá ser feita a pedido de servidor da saúde ou assistência social ou de servidor de alguns tipos de órgãos públicos, sempre com autorização de um médico.
Apesar do apoio dos brasileiros, as internações involuntárias são a exceção e não a regra, segundo especialistas.
"Um psiquiatra vai solicitar uma internação se a pessoa estiver em surto psicótico, se houver um risco à vida. Mas a grande maioria das pessoas que usam drogas está no pleno uso das suas capacidades mentais", diz Luís Fernando Tófoli, professor da Unicamp que pesquisa políticas sobre drogas. "A maioria das pessoas acredita que as drogas têm uma capacidade de influência maior do que acontece na realidade", afirma ele.
Enquanto o tratamento ambulatorial de dependentes de drogas costuma ser longo e incluir diversas etapas de recaída e recuperação, a internação aparece no imaginário popular e na ficção como uma solução definitiva para o vício, apesar de, na realidade, segundo Tófoli, ter o mesmo índice de recaídas de outros tipos de tratamento.
O desespero das famílias dos dependentes químicos, que costumam vê-los passar por diversos tratamentos sem sucesso, também faz com que passem a ver a internação involuntária como opção, diz Arthur Guerra, coordenador do programa Redenção, da prefeitura de São Paulo.
"As pessoas que têm um familiar na situação de dependência e que não aguentam mais a situação de recaídas, de mentiras, acham então que uma saída possível é uma espécie de 'prisão hospitalar' [internação]", diz ele. "Vejo uma desesperança, um cansaço das famílias que já gastaram seu tempo, seu dinheiro e nada deu certo."
O psiquiatra também defende, porém, que internações involuntárias sejam feitas só em casos excepcionais. BN
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